Passado este período de Natal e ano novo, onde a alegria tem hora marcada e a fraternidade é propagandeada por todos como algo importante, a sociedade volta ao normal, esquece-se dos "mais necessitados" e já começa a planejar o feriado do Carnaval. As campanhas de doações de roupa, brinquedos e alimentos acalentam aqueles que talvez só sintam fome e frio nesta época do ano, mas acalentam mais ainda a "caridade com data de validade" de uma grande maioria que poderá passar então os próximos doze meses se sentindo um pouco menos individualista e alienada dos problemas sociais.
Caridade é algo bonito sim, não negaria isso, mas não resolve os problemas da sociedade. A idéia de ajudar o próximo a amenizar seu fardo é das coisas mais naturais do ser humano, mesmo com toda uma luta para que abandonemos este valor, nós, humanos, não o abandonamos. Pois é, mas o que significa este valor, a caridade, sem a preocupação social? Bom, a resposta é simples : Paz de espírito para quem a pratica e só. Não significa mais nada. Trata-se pois de um refinamento cruel do egoismo. As religiões a utilizam como escape, como contenção de ânimos, afinal, não pretendem mudar a ordem estabelecida um milimetro sequer.
Há realmente uma preocupação com o próximo em nossos corações? Há realmente vontade de contribuir para que cada vez mais pessoas tenham seu mínimo de dignidade garantida? Há disposição de nossa parte para fazer algo, para nos organizarmos e buscarmos soluções para um mundo cada vez mais complexo e excludente?
Bom, deve haver algo sim, mas está muito escondido ainda. O amor e a caridade, a preocupação com o próximo e com os menores de rua, com os idosos e com os sem teto se escondem no decorrer do ano em discursos muito diferentes do Natal:
- Estes pivetes não tem mais jeito não, é tudo bandido;
- Tem que abaixar a idade penal. Com 13 anos eles já sabem o que fazem, já roubam;
- Claro que morreu, olha só onde o irresponsável foi construir o barraco;
- Não trabalha por que não quer, emprego tem;
- Estudante tem mais é que estudar, e não fazer passeatas por aí;
- Tem que ter pena de morte, só isso vai resolver;
- Olha só, pobre e cheia de filhos, quem vai sustentar? Tem que esterilizar essa gente;
- Quinze anos grávida, sai transando por aí sem camisinha, não tem juízo mesmo...
E por aí vai...
São muitos os comentários que tocam superficialmente nos problemas, mas que são profundos em seu descaso. Muitas pessoas repetem isso tudo, não por serem más pessoas, mas por não terem tido a chance de se enxergarem como agentes de transformação da realidade. Não se sentem responsáveis pelos problemas que a todos nos cercam. Seja por uma questão de educação, seja por outro motivo qualquer, caso isso não mude nosso caminho será sempre o de derrotas, de desigualdade, de medo e violência. E enquanto todos perdemos juntos continuará havendo aqueles que ganham com isso tudo.
Acho que o Grande desafio para este ano é este, a busca por nossa vocação de fazer o bem, fazer o justo e o direito num âmbito social e no Ano Todo. A busca por tentar olhar para os problemas de outra forma, com empatia, enxergando em cada trabalhador um semelhante a nós, com desejos e necessidades como os nossos.
Esse ano pode ser diferente, todo ano pode.
Pardal.
Muito bom Post. Concordo com o conteúdo e isso elucida a manobra de "colaboração de classes" usada para "complementar" aquilo que na verdade é dever do governo.
ResponderExcluirEsquma muito usado nas frente populares ajuda a quem faz se sentir "bem melhor", dá 0,1% de melhoria fugaz a quem recebe e ainda deixa como vlões que levanta este tipo de questionamento.
É preciso ocorrer uma data ou cair um dilúvio devastador para lembrarmos que todos somos seres humanos. No resto do tempo é mais fácil esquecer.
Que seja refletido.