Sem motivo aparente, nalguns anos verificam-se picos no número de suicídios. 2011 foi um desses anos, com pelo menos de 65 pessoas a tirarem a própria vida. O número de primeiras consultas de psiquiatria subiu 71 por cento e as associações e ONG referem cada vez mais casos para os serviços de psiquiatria.
Pelo menos 65 pessoas tiraram a própria vida no ano passado. O aumento é significativo em relação a 2010, ano em que se verificaram pelo menos 53 suicídios.
Segundo o coordenador do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar Conde de São Januário, Ho Chi Veng, o rácio de 2011 foi de 12,8 suicídios por cada 100 mil habitantes, o que representa uma subida em relação a 2010, quando o valor era de 10,6. O rácio mundial de suicídios é de 16 por cada 100 mil pessoas. Macau já esteve próximo deste valor, em 2008, com 15,3 suicídios por cada 100 mil habitantes, mas desde então o rácio tinha vindo a descer – voltou a subir em 2011.
“Nos últimos dez anos, têm havido alguns picos sem qualquer motivo aparente. Estamos a tentar perceber porque é que nalguns anos os números aumentam e no ano seguinte caem. No ano passado, houve um pico e outro verificou-se em 2003”, explicou Ho Chi Veng, à margem da conferência de imprensa sobre o Dia Mundial da Saúde Mental, que hoje se assinala.
Ao número de suicídios dos habitantes de Macau acrescenta-se 15 outros casos referentes a visitantes no território, em 2011. Macau é dos poucos lugares do mundo em que turistas atentam contra a própria vida ou são internados por motivos psiquiátricos.
“É muito complicado analisar casos de morte. Há muitos factores que têm de ser considerados. E muito perigoso dizer que há apenas uma causa. Quando uma pessoa tira a própria vida trata-se de um caso complexo, não apenas por motivos financeiros, há muitos factores a considerar”, aponta Ho, acrescentando que o caso específico dos visitantes está a ser alvo de estudo. “O trabalho está ainda a começar. Estamos preocupados com todos os casos”, salienta.
O número de novos doentes de psiquiatria também aumentou. Em 2009, 784 pessoas foram pela primeira vez a uma consulta. Em 2010 esse número subiu para 875 e em 2011 para 1500, mais 71 por cento que no ano anterior. Para o responsável do Serviço de Psiquiatria, estes dados não reflectem um aumento do número de doentes mentais, mas sim um aumento dos serviços de apoio e, principalmente, uma melhor articulação com as associações e organizações não-governamentais (ONG), que estão a fazer um trabalho mais intensivo na transferência de casos. E é por isso que as situações com maior aumento são as menos graves, detectadas nas associações. “São casos de ansiedade, problemas de adaptação, aqueles que colocamos no saco nas neuroses. As psicoses têm-se mantido estáveis”, esclareceu Ho.
A mesma opinião tem João Piçarra, psiquiatra infantil e presidente do conselho fiscal da Associação de Psiquiatria de Macau. “Isso também se passa com outras patologias que aparentemente estão a aumentar mas que verdadeiramente não são um aumento, são uma subida da procura e da oferta”, apontou.
O especialista salientou também o trabalho de triagem das associações, lembrando que várias têm psicólogos. “Como estão muito mais próximos da comunidade são os primeiros a dar uma resposta. Quando consideram que a situação tem alguma gravidade e que é preciso alguém mais diferenciado, enviam para os nossos psicólogos ou psiquiatras”, explica. Para o médico, a comunicação com estas associações é muito “rápida e eficiente” – estas fazem a primeira triagem, deixando aos serviços hospitalares o trabalho de hierarquizar os caos por gravidade.
João Piçarra confirmou ainda que a depressão não é a patologia que mais ocupa os serviços de psiquiatria. Apesar de, por vezes, ser necessário internar doentes com depressões graves, com risco de suicídio, essas situações são raras. “A esquizofrenia e a doença bipolar são as que mais ocupam a enfermaria”, referiu.
Dois psiquiatras por contratar
Os Serviços de Psiquiatria contrataram recentemente dois novos médicos, de Taiwan e Portugal – a especialista portuguesa chegou na semana passada e é “uma boa ajuda”, comentou João Piçarra. O serviço público fica, assim, dotado de 12 psiquiatras mas ainda há necessidade de, pelo menos, mais dois.
Ho Chi Veng duvida que estas vagas sejam preenchidas até ao final do ano porque, apesar de continuarem a tentar recrutar, “há poucas candidaturas”. “É bastante difícil aumentar o número de psiquiatras”, admitiu o responsável, acrescentando que a falta de especialistas não se fica pelos Serviços de Psiquiatria mas em todo o hospital.
João Piçarra lembra que mais importante do que o número de profissionais é a capacidade de resposta do sistema: “Podemos sempre dizer que são precisos mais. O importante é que as estruturas consigam dar respostas. Podíamos ter muita gente a trabalhar mas depois se tivéssemos listas de espera de dois meses porque o serviço estava mal organizado, a resposta não seria boa”.
Fonte: Ponto Final - [Inês Santinhos Gonçalves]
VIa : http://www.diarioliberdade.org/
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