A União Europeia decidiu liberar o segundo plano de resgate à Grécia no valor de 130 mil milhões de euros. Uma boa notícia para os gregos? Não. É só ver para onde vai esse dinheiro e o que os gregos têm de dar em troca dessa “ajuda”. Esse dinheiro, como gregos, portugueses e irlandeses sabem, não vai para incrementar o emprego, aumentar os salários, investir na saúde ou educação. Bem pelo contrário, em troca desse dinheiro, que vai direitinho para pagar a dívida pública contraída com a banca nacional e internacional, os gregos vão ter uma redução de 22% no valor do salário mínimo, 150 mil demissões no setor público, rebaixamento no valor das pensões e alterações na legislação laboral no sentido de facilitar ainda mais os despedimentos.
Este é o plano da troika para a classe trabalhadora, nomeadamente a dos países mais pobres da Europa e da zona euro, como Portugal e Grécia, mas também Espanha e Itália. Em troca dos 130 mil milhões de euros para a banca, os gregos perderão ainda mais soberania. Além do interventor da troika nomeado primeiro-ministro, Lucas Papademos, haverá uma representação da troika em permanência no país para vigiar se os gregos cumprem o estipulado no segundo plano de resgate. Além disso, a troika obriga o governo grego a incluir imediatamente na legislação nacional, e posteriormente na Constituição, uma regra que impõe o pagamento da dívida como prioridade absoluta do país.
Os moços de recado da troika dizem que o acordo é bom porque haverá um redução da dívida grega para 120,5% do PIB (contra os 160% atuais), na medida em que os credores privados aceitaram uma redução de 53,5% do valor nominal dos seus títulos. Mais um grande embuste. Os credores, isto é, a banca, assim como a senhora Merkel e o senhor Sarkozy, e todos os burocratas do BCE e do FMI sabem muito bem que a dívida da Grécia (seja ela de 160% ou 120% do PIB) é impagável, por mais que esmifrem o seu povo. Por isso, é vantajoso para esses senhores reestruturarem a dívida, para garantir a manutenção do mecanismo de sucção do dinheiro grego, via plano de resgate e empréstimo da troika. Além disso, boa parte dos atuais detentores dos títulos da dívida grega sequer os adquiriu pelo seu valor de face, mas por um valor bem inferior no mercado secundário, pelo que a sua “perda”, se é que existe, é bastante menor do que propagam. E tem mais: vão receber novos títulos da dívida com juros ascendentes de até 4,3% num prazo de 30 anos. É importante não esquecer que os juros cobrados pelo BCE para o empréstimo à banca mantêm-se em 1%, daí é bem visível que esses senhores continuam a fazer um excelente negócio.
Mas existem outras razões para que a UE e o FMI mantenham o segundo plano de resgate e, portanto, impeçam, pelo menos a curto prazo, o default grego e assegurem a permanência do país no euro. Além do chamado “efeito de contágio” que esse cenário económico teria para outros países mais ou menos frágeis da zona euro, com consequência imprevisíveis, há o fator político. Os eurocratas podem ter muitos defeitos, mas não são burros. A burguesia grega e os seus partidos, sejam eles a Nova Democracia, o PASOK ou a extrema-direita, estão à beira de perder o controlo da situação política no país, o que, em terminologia da esquerda, significa dizer que pode haver na Grécia uma crise revolucionária. Isto é, uma situação em que os de cima (a burguesia e os seus representantes) não conseguem impor as suas regras, e os de baixo (a maioria do povo) não aceitam essas regras. Sintomas disso são bem visíveis, tanto nas incontáveis greves gerais e manifestações multitudinárias, como também nas sondagens que dão mais de 40% das intenções de voto à esquerda anti-troika, na desobediência civil e na ocupação de locais de trabalho e estudo pelos trabalhadores e pela juventude. Caso houvesse default e a saída da Grécia do euro, essa perda de controlo por parte da burguesia seria muito maior e, o que é ainda mais preocupante, provocaria um contágio político a todo o continente europeu.
O fator luta-de-classes pesa, e muito, nas decisões da troika. É a crise política – e os seus efeitos potenciadores da crise económica, e vice-versa - vivida na Grécia que impede, por exemplo, o FMI de definir a priori o valor da sua “contribuição” para o plano de resgate. O próprio presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, admitiu que a decisão sobre o valor exato da nova “ajuda” à Grécia só será tomada em Março. Por quê? Porque a burguesia precisa saber se o governo grego conseguirá impor o novo plano de austeridade ao povo e de que forma a situação vai evoluir até lá. E, o que ainda é mais importante, se esse governo conseguirá manter-se e, em caso contrário, que tipo de governo o substituirá.
Os planos da burguesia europeia para obrigar a classe trabalhadora e a juventude europeias a pagar a crise estão a esbarrar numa resistência monumental em quase todos os países do continente. No domingo passado (19 de fevereiro) foi a vez do Estado Espanhol, onde manifestações com centenas de milhares de trabalhadores percorreram as ruas de mais de 50 cidades para manifestar o seu repúdio à reforma laboral do governo de direita recém-empossado, chefiado por Mariano Rajoy, considerada a mais violenta desde a “transição”, e reivindicar a convocação de uma greve geral.
O nível de provocação da burguesia espanhola chegou a tal ponto que o dirigente da entidade patronal CEOE (Confederação Espanhola de Organizações Empresariais) propôs que se retire o subsídio de desemprego aos desempregados que recusem um trabalho, ainda que este seja “na Lapónia”. Ao mesmo tempo, a polícia, com o aval dos governos do PP e regional, reprime violentamente manifestações estudantis em Valença. Mas a resposta dos trabalhadores também está a ser vigorosa: já estão marcadas greves gerais para 29 de março na Galiza e no País Basco, além de estarem a ser realizadas greves nos aeroportos, metro e autocarros em vários pontos do país.
Portugal, Ruptura/FER
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