quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Desenvolvimento às Avessas - Parte 1 - CPRP-RJ

Este Brilhante artigo foi retirado do Jornal do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, do qual ofereço também ao nosso leitor um trecho de seu mais recente editorial:

"O CRP-RJ reafirma aqui seu compromisso com a luta pelos direitos humanos, em defesa de políticas públicas e multidisciplinares de Saúde e Assistência Social. Para além disso, o CRP aponta para a necessidade de pensarmos novos modos de criar, de produzir, de trocar, de consumir; novas formas de se desenvolver e de se relacionar com a natureza e com o outro. Acreditamos no desafio da invenção de outros mundos possíveis." 

Desenvolvendo Problemas

Impactos e conflitos socioambientais causados por novos megaempreendimentos refletem um Brasil que, na ânsia por se tornar potência, embarca em modelo econômico predatório e ultrapassado. 

Alexandre Anderson é uma das principais lideranças  da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía  de Guanabara (AHOMAR), grupo que resiste a  empreendimentos industriais na região e denuncia  seus impactos e irregularidades. No dia 18 de junho, o pescador participou da Cúpula dos Povos em uma  atividade organizada pelo Fórum de Saúde do Rio  de Janeiro, com apoio do Conselho Regional de  Psicologia (CRP-RJ) e de outras entidades, sobre as  consequências de empreendimentos deste tipo para  a saúde de comunidades.

 Na ocasião, Alexandre, que desde 2009 sofre ameaças e necessita de escolta policial 24 por dia, lembrou a morte de dois pescadores da AHOMAR, assassinados  em 2009 e 2010, e mais uma vez cobrou publicamente  a responsabilidade de autoridades para que novas  mortes fossem evitadas. “A AHOMAR não vai parar sua luta. Mas temos medo de acontecer mais mortes de companheiros”, disse, alternando convicção e receio. “Já morreram dois companheiros à bala, outro se suicidou, já desapareceram quatro. Isso a gente não quer mais. Estamos cada vez mais unidos.”

Apenas dez dias depois, no auditório lotado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), durante o  lançamento de um manifesto de apoio assinado por  mais de 400 entidades, a altivez da fala do homem  do mar deu lugar a uma profunda tristeza. “A Baía de Guanabara está calada. Os barcos não saíram pro  mar, estão na areia da praia. A tristeza está nos nossos  olhos, nos olhos da nossa família. A Guanabara está de luto.” Profundamente emocionado, Alexandre  Anderson falou para uma platéia de mais de cem  pessoas, entre defensores de direitos humanos,  jornalistas, parlamentares e autoridades públicas.  “Quando a gente enterra um companheiro, vai um pedaço de nós ali, nossa alma está ali dentro também. Hoje, infelizmente, estão levando não apenas nossa vida, mas nossa alma de luta está indo junto.”

As lágrimas de Alexandre eram as lágrimas de todos os pescadores da Baía de Guanabara. No dia 22 de  junho de 2012, uma semana antes do ato na OAB,  apenas quatro dias após a fala na Cúpula dos Povos,  dois integrantes da AHOMAR, Almir Nogueira de  Amorim, o Almirzinho, e João Luiz Telles Penetra, o  Pituca, desapareceram depois de saírem para pescar  na Baía de Guanabara, nas imediações da Ilha de  Paquetá. Os dois foram encontrados mortos, com pés e mãos amarrados e sinais de afogamento. Mais duas vítimas de conflitos socioambientais no Brasil, país-sede da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.

A Petrobras na Baía de Guanabara

A situação dos pescadores da Baía de Guanabara foi um dos casos emblemáticos apresentados durante a Cúpula dos Povos para exemplificar impactos socioambientais e conflitos causados por megaempreendimentos industriais ou de infra-estrutura gerenciados por grandes empresas, com apoio e financiamento de governos federais, estaduais e municipais. Desde 2009, a AHOMAR tornou públicas  as ameaças feitas por grupos locais que lucram com  os investimentos empresarias na Baía e denunciou  empresas subsidiárias da Petrobras por contratarem  grupos milicianos para fazerem a segurança particular de empreendimentos na região.

A luta dos pescadores é motivada pela intensificação da atividade petrolífera na Guanabara, que  envolve a construção, no município de Itaboraí,  do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de  Janeiro (COMPERJ), um dos maiores projetos da  história da Petrobras, que deve custar cerca de 36  bilhões de dólares. A instalação de dutos e terminais  na lâmina d’água da Baía espantou o pescado, criou  zonas de exclusão proibidas a embarcações pesqueiras – justamente nos espaços que costumavam ser  mais piscosos – e está praticamente inviabilizando  a pesca artesanal, ocupação que garante o sustento  de cerca de 3 mil famílias na região.

Na praia de Mauá, no município de Magé, onde mora  Alexandre Anderson e onde fica a sede da AHOMAR,  a construção de dutos para o transporte de gás liquefeito de petróleo (GLP) para o COMPERJ,realizado  pelo consórcio GLP Submarino, que reúne as empresas GDK e Oceânica, impossibilitou o transito  de embarcações pesqueiras no local. Para piorar, os  despejos de óleo, metais pesados e outros resíduos  químicos nas águas da Baía contaminam os peixes  e têm efeitos devastadores na saúde da população  que vive às margens da Guanabara ou que consome  produtos advindos de suas águas.

A TKCSA na Baía de Sepetiba

A transformação da Guanabara em pólo industrial  não é caso isolado, nem um equívoco do passado  difícil de reverter, como podem pensar alguns. Do  outro lado do Rio de Janeiro, a outra grande baía da  cidade, a de Sepetiba, também vem sofrendo com  empreendimentos industriais instalados recentemente às margens de suas águas. O maior deles, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), megaempreendimento do grupo alemão Thyssenkrupp e da brasileira Vale, começou a ser instalado em 2006 e, mesmo com o descumprimento de uma série de  exigências ambientais, entrou em operação em 2010.

A TKCSA será responsável por 76% das emissões de gases poluentes na cidade, e ganhou as manchetes dos jornais ao promover uma ‘chuva’ de poeira tóxica em  toda a região, causando doenças respiratórias, de pele  e de vista em moradores da região de Santa Cruz e  Sepetiba, zona oeste do Rio. “Hoje não posso assistir  televisão por muito tempo que meus olhos começam  a lacrimejar, por causa da poluição”, relatou o pescador Jaci do Nascimento, de 53 anos, durante a mesma  atividade do Fórum de Saúde na Cúpula dos Povos.

Com a chegada da siderúrgica, não apenas novos resíduos químicos passaram a ser lançados, mas metais pesados que estavam sedimentados no fundo da Baía  de Sepetiba, despejados por outro empreendimento  durante a década de 80, foram revolvidos e voltaram  à superfície, prejudicando a atividade pesqueira. Jaci do Nascimento lembra que oito mil pessoas viviam da pesca artesanal na Baía de Sepetiba, mas que muitos estão passando necessidades e sendo obrigados  a procurar outras atividades. “Antes, com três ou  quatro horas de pescaria, eu chegava com quatro  caixas de peixes, levantava 600, 700 reais. Hoje em dia  o peixe é pingado. Tive que procurar emprego como  servente de obras, pra poder me sustentar, porque eu  não tenho coragem de pegar esse peixe contaminado  pra passar pra outros comerem”, lamenta.

Além da TKCSA, outros novos megaempreendimentos estão previstos para o entorno da Baía de  Sepetiba, entre eles a instalação de um superestaleiro da Marinha, onde será construído o primeiro  submarino nuclear brasileiro. Para Alexandre Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica  de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e  integrante do Fórum de Saúde do Rio de Janeiro,  as baías da cidade do Rio de Janeiro correm o risco  concreto de serem reduzidas a espaços de produção  industrial. “As baías de Guanabara e de Sepetiba  são patrimônios ambientais inestimáveis que estão  sendo deliberadamente eliminados enquanto ecossistemas, em função da implantação desses grandes  empreendimentos”, diz o pesquisador. “O poder público tem que entender que promover a saúde  coletiva da população passa por promover espaços  saudáveis e sustentáveis, e não apenas investir na  construção de UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). O modelo biomédico ‘hospitalocêntrico’  não é sustentável”, completa.

Segurança da TKCSA: moradores denunciam ameaças e intimidações feitas por pessoas ligadas à empresa

Modelo de desenvolvimento

Em Sepetiba, como em Magé, pescadores que se opõem a estes empreendimentos têm sofrido ameaças. Em 2009, Luis Carlos Oliveira, liderança local, foi obrigado a deixar sua comunidade após inúmeras  ameaças de morte. No mesmo ano, durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (CDH/ ALERJ), pescadores mostraram um vídeo de uma  manifestação reprimida por policiais militares e  funcionários da empresa, em que apontaram o chefe  da segurança da TKCSA como um reconhecido líder  de uma milícia local. A empresa negou, mas demitiu o homem pouco tempo depois.

Para especialistas, conflitos socioambientais como  os vividos nas baías da cidade do Rio de Janeiro  têm relação com a aposta do Brasil em reforçar  seu papel como país exportador de “commodities”,  produtos primários como petróleo, minérios, subprodutos da siderurgia, carne, soja, celulose, entre  outros. Este tipo de produto, que hoje representa cerca de 70% da pauta de exportação do país, requer o uso intensivo de recursos naturais, como água, solo, energia e biomassa. “É um modelo de desenvolvimento que historicamente resultou em violentos impactos sobre a natureza e sobre os  direitos humanos”, afirma Andressa Caldas, que  participou do grupo de articulação da Cúpula dos  Povos representando a Plataforma DhESCA Brasil,  rede que reúne dezenas de organizações brasileiras  de direitos humanos. “O Brasil se deslumbrou com a possibilidade de se tornar uma potência econômica mundial, um global player internacional, mas, para viabilizar esse projeto, escolheu um caminho  que não gera riquezas e prosperidade para a população. Se você pega o caso da TKCSA, 100% da  produção de aço dali é destinada à exportação, mas  são os moradores que pagam a conta: poluição,  enfermidades e violações de direitos”.

Andressa aponta uma série de causas para a ocorrência de conflitos, desde as irregularidades nos processos de licenciamento e a falta de controle sobre os  impactos sociais e ambientais destes megaprojetos,  até a onda de criminalização e repressão violenta a  movimentos sociais e lideranças locais, passando  pela falta de consulta prévia às comunidades impactadas, por decisões judiciais irregulares, pelo aumento da concentração fundiária, por casos de remoção  e despejo arbitrários em comunidades urbanas e  rurais, e pelo favorecimento explícito de grandes  grupos empresariais. “Vários destes aspectos são  encontrados não apenas em megaempreendimentos  industriais em todo o território brasileiro, mas também em projetos de infra-estrutura que atendem às  demandas forjadas pelos principais grupos empresariais e que são extremamente propagandeados pelo  governo, como é o caso da transposição do Rio São  Francisco, no Nordeste, da duplicação da Estrada de  Ferro Carajás, no Pará e no Maranhão, e das usinas  hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, e Jirau e Santo  Antônio, em Rondônia”.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

E você, o que acha disso?
Dê sua opinião.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...
observatoriodotrabalhador@gmail.com
Volta ao Topo
B