Este Brilhante artigo foi retirado do Jornal do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro, do qual ofereço também ao nosso leitor um trecho de seu mais recente editorial:
"O CRP-RJ reafirma aqui seu compromisso com a luta pelos direitos humanos, em defesa de políticas públicas e multidisciplinares de Saúde e Assistência Social. Para além disso, o CRP aponta para a necessidade de pensarmos novos modos de criar, de produzir, de trocar, de consumir; novas formas de se desenvolver e de se relacionar com a natureza e com o outro. Acreditamos no desafio da invenção de outros mundos possíveis."
"O CRP-RJ reafirma aqui seu compromisso com a luta pelos direitos humanos, em defesa de políticas públicas e multidisciplinares de Saúde e Assistência Social. Para além disso, o CRP aponta para a necessidade de pensarmos novos modos de criar, de produzir, de trocar, de consumir; novas formas de se desenvolver e de se relacionar com a natureza e com o outro. Acreditamos no desafio da invenção de outros mundos possíveis."
Desenvolvendo Problemas
Impactos e conflitos socioambientais causados por novos megaempreendimentos refletem um Brasil que, na ânsia por se tornar potência, embarca em modelo econômico predatório e ultrapassado.
Alexandre
Anderson é uma das principais lideranças da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía
de Guanabara (AHOMAR), grupo que resiste
a empreendimentos industriais na região
e denuncia seus impactos e irregularidades.
No dia 18 de junho, o pescador participou da Cúpula dos Povos em uma atividade organizada pelo Fórum de Saúde do
Rio de Janeiro, com apoio do Conselho
Regional de Psicologia (CRP-RJ) e de
outras entidades, sobre as consequências
de empreendimentos deste tipo para a
saúde de comunidades.
Na ocasião, Alexandre, que desde 2009 sofre
ameaças e necessita de escolta policial 24 por dia, lembrou a morte de dois
pescadores da AHOMAR, assassinados em
2009 e 2010, e mais uma vez cobrou publicamente a responsabilidade de autoridades para que
novas mortes fossem evitadas. “A AHOMAR
não vai parar sua luta. Mas temos medo de acontecer mais mortes de
companheiros”, disse, alternando convicção e receio. “Já morreram dois
companheiros à bala, outro se suicidou, já desapareceram quatro. Isso a gente
não quer mais. Estamos cada vez mais unidos.”
Apenas
dez dias depois, no auditório lotado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ),
durante o lançamento de um manifesto de
apoio assinado por mais de 400
entidades, a altivez da fala do homem do
mar deu lugar a uma profunda tristeza. “A Baía de Guanabara está calada. Os
barcos não saíram pro mar, estão na
areia da praia. A tristeza está nos nossos olhos, nos olhos da nossa família. A Guanabara
está de luto.” Profundamente emocionado, Alexandre Anderson falou para uma platéia de mais de cem
pessoas, entre defensores de direitos
humanos, jornalistas, parlamentares e
autoridades públicas. “Quando a gente
enterra um companheiro, vai um pedaço de nós ali, nossa alma está ali dentro
também. Hoje, infelizmente, estão levando não apenas nossa vida, mas nossa alma
de luta está indo junto.”
As
lágrimas de Alexandre eram as lágrimas de todos os pescadores da Baía de
Guanabara. No dia 22 de junho de 2012,
uma semana antes do ato na OAB, apenas
quatro dias após a fala na Cúpula dos Povos, dois integrantes da AHOMAR, Almir Nogueira de Amorim, o Almirzinho, e João Luiz Telles
Penetra, o Pituca, desapareceram depois
de saírem para pescar na Baía de
Guanabara, nas imediações da Ilha de Paquetá.
Os dois foram encontrados mortos, com pés e mãos amarrados e sinais de
afogamento. Mais duas vítimas de conflitos socioambientais no Brasil, país-sede
da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.
A Petrobras na Baía de Guanabara
A
situação dos pescadores da Baía de Guanabara foi um dos casos emblemáticos
apresentados durante a Cúpula dos Povos para exemplificar impactos socioambientais
e conflitos causados por megaempreendimentos industriais ou de infra-estrutura gerenciados
por grandes empresas, com apoio e financiamento de governos federais, estaduais
e municipais. Desde 2009, a
AHOMAR tornou públicas as ameaças feitas
por grupos locais que lucram com os
investimentos empresarias na Baía e denunciou empresas subsidiárias da Petrobras por
contratarem grupos milicianos para
fazerem a segurança particular de empreendimentos na região.
A
luta dos pescadores é motivada pela intensificação da atividade petrolífera na
Guanabara, que envolve a construção, no
município de Itaboraí, do Complexo
Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro
(COMPERJ), um dos maiores projetos da história
da Petrobras, que deve custar cerca de 36 bilhões de dólares. A instalação de dutos e
terminais na lâmina d’água da Baía
espantou o pescado, criou zonas de
exclusão proibidas a embarcações pesqueiras – justamente nos espaços que
costumavam ser mais piscosos – e está
praticamente inviabilizando a pesca
artesanal, ocupação que garante o sustento de cerca de 3 mil famílias na região.
Na
praia de Mauá, no município de Magé, onde mora Alexandre Anderson e onde fica a sede da
AHOMAR, a construção de dutos para o
transporte de gás liquefeito de petróleo (GLP) para o COMPERJ,realizado pelo consórcio GLP Submarino, que reúne as
empresas GDK e Oceânica, impossibilitou o transito de embarcações pesqueiras no local. Para
piorar, os despejos de óleo, metais
pesados e outros resíduos químicos nas
águas da Baía contaminam os peixes e têm
efeitos devastadores na saúde da população que vive às margens da Guanabara ou que
consome produtos advindos de suas águas.
A TKCSA na Baía de Sepetiba
A
transformação da Guanabara em pólo industrial não é caso isolado, nem um equívoco do passado
difícil de reverter, como podem pensar
alguns. Do outro lado do Rio de Janeiro,
a outra grande baía da cidade, a de
Sepetiba, também vem sofrendo com empreendimentos
industriais instalados recentemente às margens de suas águas. O maior deles, a Companhia
Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), megaempreendimento do grupo alemão Thyssenkrupp
e da brasileira Vale, começou a ser instalado em 2006 e, mesmo com o
descumprimento de uma série de exigências
ambientais, entrou em operação em 2010.
A
TKCSA será responsável por 76% das emissões de gases poluentes na cidade, e
ganhou as manchetes dos jornais ao promover uma ‘chuva’ de poeira tóxica em toda a região, causando doenças respiratórias,
de pele e de vista em moradores da
região de Santa Cruz e Sepetiba, zona
oeste do Rio. “Hoje não posso assistir televisão
por muito tempo que meus olhos começam a
lacrimejar, por causa da poluição”, relatou o pescador Jaci do Nascimento, de
53 anos, durante a mesma atividade do
Fórum de Saúde na Cúpula dos Povos.
Com
a chegada da siderúrgica, não apenas novos resíduos químicos passaram a ser
lançados, mas metais pesados que estavam sedimentados no fundo da Baía de Sepetiba, despejados por outro
empreendimento durante a década de 80,
foram revolvidos e voltaram à
superfície, prejudicando a atividade pesqueira. Jaci do Nascimento lembra que
oito mil pessoas viviam da pesca artesanal na Baía de Sepetiba, mas que muitos
estão passando necessidades e sendo obrigados a procurar outras atividades. “Antes, com três
ou quatro horas de pescaria, eu chegava
com quatro caixas de peixes, levantava
600, 700 reais. Hoje em dia o peixe é
pingado. Tive que procurar emprego como servente
de obras, pra poder me sustentar, porque eu não tenho coragem de pegar esse peixe
contaminado pra passar pra outros
comerem”, lamenta.
Além
da TKCSA, outros novos megaempreendimentos estão previstos para o entorno da
Baía de Sepetiba, entre eles a
instalação de um superestaleiro da Marinha, onde será construído o primeiro submarino nuclear brasileiro. Para Alexandre
Pessoa, professor-pesquisador da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e integrante do Fórum de Saúde do Rio de
Janeiro, as baías da cidade do Rio de
Janeiro correm o risco concreto de serem
reduzidas a espaços de produção industrial.
“As baías de Guanabara e de Sepetiba são
patrimônios ambientais inestimáveis que estão sendo deliberadamente eliminados enquanto
ecossistemas, em função da implantação desses grandes empreendimentos”, diz o pesquisador. “O poder público
tem que entender que promover a saúde coletiva
da população passa por promover espaços saudáveis
e sustentáveis, e não apenas investir na construção de UPAs (Unidades de Pronto
Atendimento). O modelo biomédico ‘hospitalocêntrico’ não é sustentável”, completa.
Segurança da TKCSA: moradores denunciam ameaças e intimidações feitas por pessoas ligadas à empresa |
Modelo de desenvolvimento
Em
Sepetiba, como em Magé, pescadores que se opõem a estes empreendimentos têm
sofrido ameaças. Em 2009, Luis Carlos Oliveira, liderança local, foi obrigado a
deixar sua comunidade após inúmeras ameaças
de morte. No mesmo ano, durante audiência pública na Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (CDH/ ALERJ), pescadores
mostraram um vídeo de uma manifestação
reprimida por policiais militares e funcionários
da empresa, em que apontaram o chefe da
segurança da TKCSA como um reconhecido líder de uma milícia local. A empresa negou, mas
demitiu o homem pouco tempo depois.
Para
especialistas, conflitos socioambientais como os vividos nas baías da cidade do Rio de
Janeiro têm relação com a aposta do
Brasil em reforçar seu papel como país
exportador de “commodities”, produtos
primários como petróleo, minérios, subprodutos da siderurgia, carne, soja,
celulose, entre outros. Este tipo de
produto, que hoje representa cerca de 70% da pauta de exportação do país,
requer o uso intensivo de recursos naturais, como água, solo, energia e
biomassa. “É um modelo de desenvolvimento que historicamente resultou em violentos
impactos sobre a natureza e sobre os direitos
humanos”, afirma Andressa Caldas, que participou
do grupo de articulação da Cúpula dos Povos
representando a Plataforma DhESCA Brasil, rede que reúne dezenas de organizações
brasileiras de direitos humanos. “O
Brasil se deslumbrou com a possibilidade de se tornar uma potência econômica
mundial, um global player internacional, mas, para viabilizar esse projeto,
escolheu um caminho que não gera
riquezas e prosperidade para a população. Se você pega o caso da TKCSA, 100% da
produção de aço dali é destinada à
exportação, mas são os moradores que
pagam a conta: poluição, enfermidades e
violações de direitos”.
Andressa
aponta uma série de causas para a ocorrência de conflitos, desde as
irregularidades nos processos de licenciamento e a falta de controle sobre os impactos sociais e ambientais destes
megaprojetos, até a onda de
criminalização e repressão violenta a movimentos
sociais e lideranças locais, passando pela
falta de consulta prévia às comunidades impactadas, por decisões judiciais
irregulares, pelo aumento da concentração fundiária, por casos de remoção e despejo arbitrários em comunidades urbanas e
rurais, e pelo favorecimento explícito
de grandes grupos empresariais. “Vários
destes aspectos são encontrados não
apenas em megaempreendimentos industriais
em todo o território brasileiro, mas também em projetos de infra-estrutura que
atendem às demandas forjadas pelos
principais grupos empresariais e que são extremamente propagandeados pelo governo, como é o caso da transposição do Rio
São Francisco, no Nordeste, da
duplicação da Estrada de Ferro Carajás,
no Pará e no Maranhão, e das usinas hidrelétricas
de Belo Monte, no Pará, e Jirau e Santo Antônio,
em Rondônia”.
Continua...
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