A
consultoria internacional KPMG, em sua última Pesquisa de Fusões e
Aquisições, constatou que durante o primeiro semestre de 2012 empresas de
capital majoritário estrangeiroadquiriram 167 empresas de capital
brasileiro; 71 dessas empresas foram adquiridas por capitais norte-americanos,
13 por franceses, 12 por ingleses, 11 por alemães, 8 por canadenses, 6 por
japonesas, 25 por holandeses, suíços, espanhóis, italianos, suecos, belgas,
portugueses, finlandeses, e irlandeses, 4 por sul-africanos, 8 por chilenos,
mexicanos e argentinos, 2 por israelenses, 2 por australianos, 2 por indianos,
1 por chineses, 1 por cingaleses e 1 pelos emiratenses árabes.
Entre
as empresas compradas por capitais estrangeiros, 21 são dedicadas a serviços
para empresas, 17 de tecnologia da informação, 10 de produtos químicos e
farmacêuticos, 9 de alimentos, bebidas e fumo, 8 de telecomunicações e mídia, 7
eletroeletrônicas, 7 mineradoras, 6 de produtos químicos e petroquímicos, 3
energéticas, 4 de produtos de engenharia, 3 imobiliárias, 2 de petróleo e gás,
2 instituições financeiras, 1 de açúcar e etanol, 7 de publicidade e editoria,
2 de educação, 5 shopping centers, 1 de higiene, 1 de transporte, 2
lojas de varejo, 2 de metalurgia e siderurgia, 4 de construção e materiais de
construção, 2 de serviços portuários e aeroportuários, 2 de autopeças,
1 hotel, 5 de aviação, 2 de fertilizantes, 3 de embalagens, 2 de
montagem de veículos, 18 de internet e 8 de ramos não especificados.
A
KPMG constatou o apetite dos estrangeiros comprando empresas no Brasil,
situação que não havia visto até então. Segundo ela, a participação
estrangeira ganhou força inclusive em setores em que a presença brasileira foi
tradicionalmente majoritária, como é o caso do ramo de Tecnologia da Informação.
No primeiro semestre de 2011, capitais estrangeiros haviam comprado 94 empresas
de capitais brasileiros, superando as 77 compras do primeiro semestre de 2010.
Nos
últimos anos, 1.167 empresas que antes eram nacionais passaram a ser
controladas por capitais externos.
Temos,
pois, pelo menos quatro tipos articulados de problemas com essa aquisição de
ativos nacionais, todos graves do ponto de vista do desenvolvimento econômico e
social brasileiro. Em primeiro lugar, o fato de que esses investimentos diretos
estrangeiros não se destinaram à instalação de plantas novas, que ampliassem a
produção doméstica, mas à aquisição de plantas existentes, em que haverá
nenhuma ou pouca ampliação produtiva. Ou seja, tais investimentos não acrescentam
nada, ou quase nada, ao crescimento econômico.
Em
segundo lugar, aquilo que para muitos é o único motivo de protesto, tais
investimentos intensificam a desnacionalização da economia brasileira. Em
outras palavras, vão reduzir ainda mais a participação do Produto Nacional
Bruto no Produto Interno Bruto, aumentando a descapitalização e a dependência
do país. Em terceiro lugar, mesmo que vários desses capitais não sejam
multinacionais, eles agregam maior poder aos oligopólios estrangeiros que já dominam
setores inteiros da economia brasileira. Finalmente, se há gente que não
acreditava na existência de uma burguesia nacional, com essas vendas
ficará ainda mais convicta de que tal burguesia, se existia, está em processo
de completa alienação.
Essa
desnacionalização e oligopolização vêm de longe, como já insistimos em outras
ocasiões.
Desde
o governo JK, nos anos 1950, os investimentos diretos estrangeiros puros,
isto é, sem exigência de associação com empresas estatais e/ou privadas
nacionais, tornaram-se uma das principais formas de desenvolvimento econômico
do país. Esse mesmo modelo ocorreu durante o crescimento econômico do período
ditatorial militar. Mas aqueles investimentos estrangeiros ocorreram
paralelamente ao reforço dos setores estatal e privado nacionais. O que os
tornaram muito diferentes do período neoliberal, quando os investimentos
estrangeiros se destinaram quase totalmente à compra de plantas já existentes,
isso sendo acompanhado do fechamento de muitas empresas privadas nacionais e do
desmonte da maior parte das empresas estatais.
O
grave deste momento não consiste em implementar uma política de atração de
investimentos diretos estrangeiros, já que sem eles dificilmente atingiremos
uma taxa anual de investimentos superior a 20%, o que continuará nos mantendo
num crescimento medíocre. O grave consiste em não ter uma política clara de
atração desses investimentos, que os proíba de comprar mais de 50% de capitais
nacionais e os obrigue a instalar plantas novas, a associar-se a empresas
estatais e privadas nacionais, a transferir novas e altas tecnologias para o
país, e a entrar em setores oligopolizados para aumentar a concorrência e
baixar os preços. É evidente que isso não resolverá de todo o problema da
dicotomia entre a PIB e o PNB, mas abrirá as condições para um desenvolvimento
mais rápido e para solucionar esse problema no futuro.
Em
outras palavras, investimento direto estrangeiro não significa,
necessariamente, permitir que multinacionais comprem empresas nacionais. E,
historicamente, não passa de retórica a ideia de que as empresas nacionais
tenham sido a força motriz do nosso desenvolvimento, embora elas tenham
desempenhado papel importante, da mesma forma que as empresas estrangeiras. E,
nas condições em que o neoliberalismo dos anos 1990 deixou a economia e o
Estado brasileiros, não passa de ilusão supor que podemos recuperar a economia
e desenvolvê-la sem contar com recursos externos.
É
lógico que, se o país permitir que sua economia seja invadida por filiais e
subsidiárias das multinacionais, como ocorreu no passado, deixando-as à solta,
elas funcionarão como um mero meio de transferir riqueza do país onde estão
para aquele onde está a sua matriz. No entanto, não é mais verdade que os
países imperiais tenham todo o poder para impor suas decisões sobre a economia
de outros países. As multinacionais e as transnacionais desses países
imperiais, para resolver suas contradições estruturais, estão se vendo
obrigadas a re-localizar inclusive seus centros de pesquisa e desenvolvimento
para países periféricos, que só permitem seus investimentos se tal exigência
for atendida.
Portanto,
temos que enfrentar pelo menos três problemas que atrapalham o desenvolvimento.
Um é a suposição irreal de que o Estado brasileiro tem recursos suficientes
para colocar o investimento e o financiamento públicos, através dos bancos
estatais e dos gastos de custeio do governo, no centro da política de
desenvolvimento. Mesmo que o governo decida aplicar (o que já deveria ter
feito) seu superávit primário em investimentos produtivos, isso ainda não será suficiente
para transformar o voo de galinha num voo de carcará. Esse não é um problema de
interesses particulares nem de teoria econômica, ou de lógica, mas de economia
política.
Outro
é a necessidade de elaborar e aplicar uma política de atração de investimentos
externos que não só aumente a capacidade produtiva do Brasil, mas adense
suas cadeias produtivas, transfira novas e altas tecnologias, permita às
estatais ter uma participação mais ativa nesse processo, recrie uma burguesia
nacional e, com isso, amplie em muito a classe trabalhadora industrial. Se os
investimentos externos contribuírem, sob as condições acima, com 5% a 10% do
PIB brasileiro, o padrão de desenvolvimento econômico com distribuição de renda
será elevado a novo patamar.
Finalmente,
parte considerável dos investimentos públicos, em especial os financiamentos do
BNDES, precisam ser direcionados para o desenvolvimento das micro, pequenas e
médias empresas, como forma de democratizar o capital e garantir a combinação
do desenvolvimento tecnológico com a elevação do emprego, uma contradição cuja
solução exige atenção e criatividade. Portanto, se quisermos avançar no
desenvolvimento, temos que combinar a luta contra a oligopolização e a
desnacionalização, utilizando muitas das armas do próprio mercado capitalista,
elevando a competição empresarial e utilizando os recursos externos para
reconstruir a indústria verdadeiramente nacional, estatal e privada.
ESCRITO POR WLADIMIR POMAR
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Wladimir
Pomar é escritor e analista político.
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