quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pessimismo econômico global coloca a América Latina em estado de alerta


Luis Castilla, o ministro das Finanças do Peru, diz que todos os dias acende uma vela e “reza, pedindo que a economia da China não entre em colapso”.
As rezas dele são ecoadas por muita gente nessa região que continua sendo um dos poucos pontos positivos da economia mundial. As economias ricas em commodities da América do Sul cresceram 5% na primeira metade deste ano. No ano passado, esses novos motores da economia mundial acrescentaram meio ponto percentual à produção global.

Mas a queda da demanda asiática e dos preços das commodities faz com que aumente a possibilidade de que a América Latina, que em grande parte escapou da Grande Recessão de 2008-2009, não tenha tanta sorte desta vez.
“Uma outra recessão seria mais dolorosa do que a última, e não haveria os mesmos efeitos positivos derivados do crescimento na China e na Índia”, adverte Sebastian Edwards, ex-economista do Banco Mundial especializado na América Latina. “Uma nova recessão seria mais global, e portanto ela nos afetaria mais”.

Induzidos pelo pessimismo nos Estados Unidos e na Europa, os mercados passaram a trabalhar rapidamente com essa possibilidade. O preço do cobre, um importante produto de exportação do Chile e do Peru, que são respectivamente o primeiro e o segundo maiores produtores mundiais, caiu 27% neste ano, chegando a US$ 6.990 a tonelada, um valor inferior à média registrada nos últimos cinco anos. E o preço da soja, que responde por um quarto das exportações da Argentina, teve uma queda de 11%.

Enquanto isso, o preço petróleo, que representa 90% das exportações venezuelanas, conseguiu manter-se relativamente estável. Mas a US$ 100 o barril, o petróleo Brent está custando 20% menos do que o pico alcançado neste ano e encontra-se apenas US$ 17 acima da média dos últimos cinco anos. Novas quedas do preço do petróleo limitariam a capacidade do presidente Hugo Chávez de aumentar os gastos do país antes das eleições de 2012. Porém, a oferta restrita de commodities significa que a maioria dos especialistas prevê apenas uma queda muito pequena dos preços.

“As perspectivas para um período de 12 meses a dois anos são muito boas”, diz Catherine Raw, gerente de carteira de recursos naturais da empresa gerenciadora de investimentos BlackRock. Mesmo assim, se a queda dos preços das commodities for prolongada, os analistas dizem que haverá três efeitos principais.

As rendas derivadas de impostos cairão e os investimentos em projetos de mineração secundários serão postergados ou até mesmo cancelados. O Peru, por exemplo, tem contado com mais de US$ 40 bilhões em investimentos em mineração.

“Eu acredito de fato que uma queda dos preços afetaria a decisão relativa a esses projetos que parecem ser muito interessantes quando os preços estão elevados”, diz Diego Hernandez, diretor executivo da companhia estatal chilena de cobre Codelco. “Mas agora as pessoas serão bem mais cautelosas. Eu acredito de fato que alguns desses projetos serão adiados”.

Segundo, os atuais déficits de conta corrente aumentarão. Em um cenário extremo – em que os preços das commodities caíssem para os níveis atingidos no início de 2009 –, o Brasil, o Chile, a Colômbia e o Peru teriam déficits de conta corrente superiores a 5% do Produto Interno Bruto, segundo estimativas da empresa de consultoria Capital Economics.

Terceiro, uma queda da entrada de capital vinculada aos preços das commodities pressionaria as taxas de câmbio para baixo. Isso poderia ajudar os exportadores brasileiros e mexicanos de produtos manufaturados. Mas tal fato também reduziria o poder de compra local e esfriaria a onda de crédito aos consumidores, dois fatores que contribuíram para impulsionar o boom econômico de uma década na América Latina.

“Infelizmente, o crédito ao consumidor e a valorização das moedas são os principais responsáveis pelo aumento do consumo”, diz Walter Molano, economista especializado em mercados emergentes da BCP Securities. “Isso significa que a onda de consumo é vulnerável a uma reversão das condições externas”.

Para conter o esfriamento econômico doméstico, as economias mais bem gerenciadas da região ainda contam com algumas armas poderosas. As taxas de juros têm muito espaço disponível para cortes, os níveis da dívida soberana continuam baixos e as reservas de moeda estrangeira são elevadas.
Porém, os países contam com menos munição fiscal do que tinham alguns anos atrás. O Fundo Monetário Internacional advertiu nesta semana que os gastos governamentais continuam muito altos, especialmente na Argentina e na Venezuela.

No que se refere a outros países, grande parte da região está enfrentando déficits orçamentários estruturais após terem lançado poderosos pacotes de estímulo econômico em 2009, embora a América Latina tenha de maneira geral gerenciado a recente variação dos preços das commodities de uma forma melhor do que em ciclos anteriores.

Portanto, ninguém está prevendo um desastre para uma região que sob muitos aspectos está em melhor forma econômica do que o mundo desenvolvido. Os sistemas bancários estão bem – ainda que grande parte dele pertença a empresas estrangeiras. A contabilidade fiscal é sólida. E a inflação está baixa.

Mesmo assim, uma queda prolongada dos preços das commodities representaria a primeira prova de fogo real para aquilo que se tornou quase que a nova ortodoxia econômica da região. O “lulismo” – a expressão é uma referência ao ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – aliou o fornecimento de serviços sociais à estabilidade macroeconômica e retirou milhões de indivíduos de um estado de pobreza. Mas esse fenômeno só foi possível também, em grande parte, devido ao capital barato e aos elevados preços das commodities.

“Todo bom navegador sabe que quando ventos de popa favoráveis se transformam em fortes ventos contrários à rota, não é possível manter a velocidade”, diz Nicolas Ezaguirre, diretor do departamento de hemisfério ocidental do Fundo Monetário Internacional e ex-ministro das Finanças do Chile. “O maior perigo atual é de que esses governos tentem manter a velocidade por meio do lançamento prematuro de pacotes de estímulo econômico”.




Em 06/10/2011

Por: Financial Times
John Paul Rathbone
Os jornalistas Javier Blas e Jack Farchy contribuíram para esta matéria


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