domingo, 23 de setembro de 2012

LITORAL DE MARICÁ RECEBERÁ POLUIÇÃO DO COMPERJ

Por: Cássio Garcez* 

Figura 1: Embarcação de pesca recém-chegada à Praia
de Itaipuaçu, vinda das Ilhas Maricás, ao fundo.
O duto do Comperj passará justamente neste trecho da
praia, desembocando os efluentes industriais 2 km mar
adentro, na direção do arquipélago. Fonte: autor.
A Petrobras, empresa responsável pelo Complexo Petroquímico de Itaboraí (Comperj), escolheu o limpo e biodiverso litoral de Itaipuaçu, em Maricá, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, como ponto preferencial de descarte dos efluentes industriais deste megaempreendimento, através de um emissário terrestre e submarino. Segundo um dos mapas do EIA/RIMA do duto (constante da pág. 278 do Diagnóstico Ambiental), o ponto de dispersão de seus efluentes foi estranhamente projetado para desembocar entre a Praia de Itaipuaçu e as Ilhas Maricás (a 2 km da primeira e a 4 km da segunda), o que atingiria em cheio tanto este importante criatório de peixes e de outros organismos marinhos, quanto a própria colônia de pescadores artesanais localizada praticamente no mesmo local onde o duto mergulhará no mar (Figura 1). Isso sem falar na própria praia, a mais democrática área de lazer de maricaenses, niteroienses e cariocas, e também da emergente atividade econômica do turismo na área. 
Figura 2: Mapa indicando a área de influência direta da
poluição que será despejada pelo duto do Comperj no
litoral de Maricá, durante o verão, entre a APA de Maricá
(seta lilás) e a área marinha do Parque Estadual da Serra 

da Tiririca (seta vermelha). Fonte: alterada do EIA/RIMA 
do Emissário Terrestre e Submarino do Comperj, 
apud ASA, 2010a. 
Figura 3: APA de Maricá com o Alto Mourão ao fundo.
Fonte: autor.
No entanto, um detalhe importante parece passar quase despercebido no projeto da tubulação: a mancha de poluição afetará diretamente duas unidades de conservação, uma de proteção integral e outra de uso sustentável. São elas: o Parque Estadual da Serra da Tiririca (Peset), um conjunto de morros florestados e pedras entre Maricá e Niterói, que também abrange uma área marinha entre a Ponta de Itacoatiara e a Ponta de Itaipuaçu; e a APA de Maricá, o remanescente de restinga mais estudado do Brasil por conta de sua riqueza ecológica, de seu bom estado de preservação e de sua proximidade a várias universidades (Figura 2 e 3). 
Entubando o EIA/RIMA 

Como se não bastasse esse cenário de horror ambiental trazido por uma extensão do Comperj – algo que traz à lembrança cenas do Golfo do México após o acidente da BP (Figura 4) -, também a forma como foi conduzido o processo de consulta pública do EIA-RIMA do duto levantou sérias suspeitas sobre sua lisura. 

Figura 4: Mancha de óleo chegando a uma praia não
 conhecida do Golfo do México, oriunda do
 acidente da BP em 2009. Fonte: não indicada. 
Primeiramente porque o período para a análise deste documento teve início na antevéspera de Natal, com finalização no último dia 21 de janeiro – ou seja, trinta dias curiosamente espremidos entre a época de festas de fim de ano e as férias de muita gente interessada no assunto. Em segundo lugar, pela baixa qualidade de algumas das informações apresentadas, baseadas em dados defasados, insuficientes ou totalmente questionáveis, flagrante no seguinte trecho do EIA/RIMA (grifos nossos): 

“Por meio do presente EIA, foi possível identificar como impacto a alteração da qualidade da água ao largo de Maricá. Impacto de difícil avaliação, justificou a proposição de um programa de monitoramento que envolve tanto a biota, a qualidade da água e os sedimentos. Simultaneamente, deverá ser monitorado o efluente gerado no COMPERJ em busca de maior conhecimento da composição e possíveis efeitos sobre a biota.” (Capítulo XIV, pág. 2, 2º parágrafo) 

Por fim, mas sem esgotar o rol de problemas do estudo, encontrar o EIA-RIMA foi difícil até para técnicos e pesquisadores acostumados aos piores meandros burocráticos do poder público, o que dizer do cidadão 

comum. Além disso, o documento não foi colocado para consulta na Internet e sua versão digital não rodava em qualquer computador. Tudo aparentemente orquestrado para que a balança da consulta pública supostamente pendesse para o lado dos empreendedores. 

Diante desses fatos, o Conselho Consultivo do Peset, instituição paritária formada por representantes da sociedade civil organizada e de entidades públicas, se reuniu extraordinariamente e produziu um manifesto solicitando ao Inea, órgão responsável pela liberação das licenças, a dilatação do respectivo prazo de consulta, o que permitiria que o EIA/RIMA pudesse ser melhor analisado. No entanto, independentemente da resposta, várias ONGs já se mobilizam para entrar com representações nos Ministérios Públicos Estadual e Federal, além de outras ações, contra as irregularidades constatadas. 

O buraco é mais embaixo 

Muitos ecologistas vem encarando o projeto do duto do Comperj como a ponta de um iceberg de impactos ambientais e sociais proporcionais ao gigantismo do Comperj, assim como à intensa aceleração da exploração petrolífera no litoral brasileiro, o que mudará para sempre cidades costeiras como Maricá. 

Figura 5: Praia das Conchas (primeiro plano)
 e Praia de Jaconé (ao fundo). Fonte: autor.
 
Como exemplos desses efeitos colaterais locais do progresso, estão novamente a APA de Maricá (Figura 3), ameaçada pela construção de um megaempreendimento imobiliário luso-espanhol; a Praia de Jaconé (Figura 5), limítrofe com Saquarema, onde pretende-se construir um pólo naval que descaracterizará e poluirá uma enorme área preservada e de grande apelo ecoturístico, paisagístico, pré-histórico e histórico[1]; e o rico sistema lagunar (Figura 6), que sofrerá com o aumento da carga de esgoto provocada pelo adensamento populacional sem controle, em pleno andamento devido à atração já provocada pela construção do complexo petroquímico. 
Mas o rolo compressor desenvolvimentista não pára por aí: há dezenas de outras ameaças pipocando naquele município e em todos os outros localizados ao redor do Comperj, dentre elas: aumento da favelização, agravamento da especulação imobiliária e desrespeito a outras áreas protegidas. 
Figura 6: Enseada na Lagoa da Barra,
 formada pela Ponta do Fundão. Fonte: autor. 

Como morador de área vizinha à Praia de Itaipuaçu e à Serra da Tiririca, e também como ecologista, me questiono: será realmente esta a herança que queremos deixar para as futuras gerações de maricaenses e visitantes? Ou seja, mais poluição, agravamento da concentração populacional, destruição de áreas preservadas e de seus serviços ambientais, além da perda de qualidade de vida? Quero sinceramente crer que não! 


*Cássio Garcez é mestre em Ciência Ambiental (PGCA-UFF), Planejador Ambiental (PGPA-UFF) e membro do Conselho Consultivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. 
É também guia ecológico e coordenador do Ecoando - Ecologia & Caminhadas, grupo que trabalha com educação ambiental em trilhas e passeios ecológicos.

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