sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Cotas: trinta anos de luta e uma vitória parcial (Parte 1 de 3)

O Senado aprovou, no dia 8 de agosto, o projeto de lei (PLC) 180/2008, que determina políticas de ações afirmativas em todas as universidades e escolas técnicas federais do país . A lei, que já havia sido aprovada pelos deputados e agora só depende da sanção da presidente Dilma, é uma mescla de cotas sociais e raciais. 


Uma vez sancionada, já no próximo vestibular, 50% das vagas destas instituições deverão ser reservadas para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Dessa porcentagem, metade será destinada a estudantes que tenham renda familiar de até um salário mínimo e meio (R$ 933,00) por pessoa. 

Ainda dentro do universo de vagas destinadas a alunos que vieram das escolas públicas, também serão aplicados critérios raciais: estudantes autodeclarados negros, “pardos” e indígenas terão cotas proporcionais à porcentagem da população de cada grupo nos estados em que vivem, de acordo com os dados do IBGE, não importando a renda per capita do aluno, contanto que ele ou ela tenha cursado escola pública. 

A título de exemplo, em São Paulo, onde a população que se declara negra ou indígena é de 34,7%, para cada 100 vagas, 17 seriam ocupadas por estudantes destas etnias; na Bahia, onde 76,4% se declararam “não-brancos”, haveria 38 vagas para os cotistas. Já em Santa Catarina, seriam oferecidas apenas oito vagas (já que a população negra, parda ou indígena soma 15,4%). Caso estes porcentuais não sejam alcançados por não-brancos, as vagas remanescentes passariam a ser ocupadas por qualquer estudante que se encaixe no critério geral em relação ao ensino médio.

Apesar das limitações e contradições que cercam a aprovação da lei, é evidente que ela implicará numa significativa e bem vinda mudança na composição social e racial dos institutos de ensino federais, principalmente nas universidades. Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, por exemplo, revelou que nas 59 instituições federais há 52.190 vagas reservadas a cotistas, de um total de 244.263. Com a lei aprovada, este número poderá aumentar em até 134%, elevando as vagas destinadas a cotas sociais e raciais para cerca de 120 mil estudantes.

Não temos dúvidas de que esta mudança ainda está muito distante do modelo – tanto social quanto racial – de universidade que precisamos. Mas é, inegavelmente, uma importante conquista, mesmo que parcial, do movimento negro e seus aliados (e não uma “dádiva” do governo, como a história tem sido vendida) que há décadas, literalmente, luta por uma política de cotas. 

Uma conquista, acima de tudo, porque, independente da sub-representação racial (como também da ausência de qualquer menção a políticas de permanência), o projeto é o reconhecimento institucional de que o racismo é um obstáculo concreto também na educação. 

Uma conquista que, inclusive, pode e deve ser ampliada, agora, com os milhares de novos cotistas que, uma vez no interior das universidades, poderão se engajar nos movimentos negro e estudantil, na luta não só pela ampliação das ações afirmativas e de políticas de permanência (como bolsas transporte, alimentação e moradia estudantil), mas também em defesa da democratização da universidade e da construção de uma sociedade da qual o racismo seja definitivamente banido. 

Contra cotas, só os racistas! 

Esta foi a principal palavra de ordem utilizada por entidades do movimento negro, estudantil e popular de São Paulo, no dia 13 de maio, durante uma ocupação “simbólica” da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que carrega, ao mesmo tempo, o título de umas das melhores instituições de ensino superior do país e de uma das mais racistas e elitistas que se tem notícia, como comprovam as ridículas porcentagens de estudantes (cerca de 5%) e professores (escandalosos 0,9%) negros no seu interior. 

A situação da USP é exemplar de um país dirigido por uma elite cujo racismo nunca teve nada de “cordial” e muito menos se aproximou sequer de um arremedo do mito da “democracia racial”, como esta mesma elite insiste em defender. Na educação, particularmente, a discriminação racial pode ser constatada em todos os níveis: do total desprezo aos milhões de mulheres negras e pobres que não têm creches para seus filhos à ridícula parcela de negros e negras que chega às salas de aula das universidades.

Os dados do próprio governo, mesmo que afetados por distorções, não deixam dúvidas. Em 2009, por exemplo, a taxa de analfabetismo entre negros e negras era mais do que o dobro (13,42%) daquela registrada entre brancos (5,94%). No ensino superior, enquanto, em nível nacional, os jovens brancos compõem 21,3% dos matriculados; os negros não ultrapassam 8,3% das vagas.

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