sábado, 15 de setembro de 2012

Cotas: trinta anos de luta e uma vitória parcial (Parte 2 de 3)


São muitos os entraves


No decorrer das últimas décadas, quando o movimento negro levantou a bandeira das cotas, diversos setores da sociedade, de intelectuais conservadores ao grosso da burguesia nacional se levantaram para defender seus privilégios e manter esta situação. 

No geral, essa defesa se escondeu em por trás da “simples” negação do racismo, como no caso do diretor de da Central de Jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, que em 2006 publicou um livrinho asqueroso intitulado “Não somos racistas”. Contudo, no interior das universidades, o que tem prevalecido é a oposição às cotas em nome de uma pretensa defesa da “qualidade de ensino” e do critério do “mérito” para se ter acesso ao ensino superior. 

Educação não é mérito, é direito 

Em primeiro lugar, vale dizer que qualquer um que oponha cotas à defesa da qualidade da Educação no Brasil é um tremendo hipócrita. A poderosa greve das federais e a realidade cotidiana no interior das salas de aula são provas mais do que concretas de que o que realmente ameaça a qualidade na educação do Brasil são exatamente as políticas e projetos defendidos pela elite para garantir seus privilégios econômicos e sociais. Uma elite que, também, mal disfarça seu racismo e preconceito de classe ao afirmar que a presença de negros e negras ou estudantes de baixa renda na universidade irá significar uma queda da qualidade.

Durante a votação, esta postura ficou evidente na postura do senador tucano Aloysio Nunes (SP), o único que, depois do acordo costurado pelo governo, se posicionou abertamente contra a medida: "Querem dar o mesmo peso para alunos que estudam em escolas de melhor ou pior qualidade, é um absurdo completo” .

Fora do congresso, a maior resistência tem sido por parte daqueles que têm em suas mãos a tarefa de implementar a medida, como os reitores das universidades, reunidos na Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior, a Andifes, que, em nota oficial, se posicionou contra a medida, utilizando como argumento uma pretensa defesa da “autonomia universitária” (a mesma que estes senhores sempre atropelam, sem dó nem piedade, cada vez que “convidam” a polícia para reprimir os movimentos sociais).

Desculpas à parte, o que se encontra por trás da rejeição só pode ser chamado de racismo, como também a motivação não tem outra origem senão no desejo de manter as “cotas” que sempre existiram neste país: a reserva de vaga para os filhos da burguesia e da parcela mais endinheirada da classe-média, a maioria deles brancos.

Disfarçados em alguns, o racismo e elitismo aflora de forma mais explícita principalmente na relação que estes setores estabelecem entre cotas e “qualidade”. Reitores como Walter Albertoni, da Federal de São Paulo (Unifesp), declararam à imprensa seu “temor” em como a medida irá afetar, negativamente, cursos “mais exigentes”, como Medicina. 

Outros opositores das cotas foram ainda mais claros, como Cláudio de Moura Castro (assessor de um dos maiores grupos de ensino privado do país, o Positivo) que em entrevista ao portal da revista “Exame” foi categórico em afirmar que a situação das universidades irá “piorar”, principalmente em termos da qualidade, principalmente em áreas como “medicina, engenharia, direito”, onde, pela lógica rasteira e obtusa do “doutor em Educação”, os professores, com a entrada dos cotistas, terão que “reprovar maciçamente ou baixar o nível”.

Na verdade, grande parte da rejeição às ações afirmativas tem origem exatamente no título que Claúdio de Moura ostenta. A burguesia e reacionários em geral perdem a compostura com a simples possibilidade de que negros e negras carreguem “doutores”, cujo monopólio tem sido mantido pela elite branca deste país.

Posição que, talvez, tenha ganho sua versão mais “honesta” em um editorial publicado por um principais porta-vozes da burguesia nacional , a “Folha de S. Paulo”, no dia 31 de julho. Aproveitando para, também, atacar a greve nas federais, o jornal disparou: “Universidades federais perdem o foco com greves e cotas, quando deveriam dedicar-se a forjar uma elite de docentes para o país” , o que estaria colocando as instituições sob “sérias ameaças”, na medida em que “obriga” as universidades a “destinar número tão grande de vagas com base em algo diverso da capacidade acadêmica do candidato.”. 

Diante de argumentos como estes, a primeira coisa que precisa ser lembrada é que esta linha de raciocínio não resiste sequer a mais óbvia das constatações: há décadas, a qualidade do ensino superior tem despencado e não pela presença de negros ou estudantes de escolas públicas no seu interior, mas sim pelas políticas educacionais dos mesmos senhores que têm barrado o acesso destes setores à universidade.

E a discriminação e racismo ficam ainda mais evidente, quando sabemos que estes mesmos senhores sabem muitíssimo bem que estão mentindo ao afirmarem que cotas são uma ameaça à qualidade, pois todos eles têm dados das universidade em que a medida já foi aplicada e que provam exatamente o contrário. 

Por exemplo, os resultados sobre o desempenho de cotistas na Unicamp, Universidade Federal da Bahia (UFBa), Universidade de Brasília (UnB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), não deixam dúvidas sobre isso. No biênio 2005-2006, cotistas obtiveram maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos (Unicamp) e coeficiente de rendimento (CR) igual ou superior aos de não-cotistas em 11 dos 16 cursos (UFBa).

Exatamente por não ter apoio nenhum na realidade, é que podemos afirmar com certeza que a defesa do “mérito”, além de cheirar a preconceito de raça e classe, também esconde uma outra coisa: o temor de qualquer mudança, por menor que seja, na composição social e racial da universidade possa significar uma aumento, no interior da universidade, da resistência ao projeto de sucateamento da universidade.

Como sempre defendemos, a entrada de negros e estudantes de baixa renda na universidade, é parte fundamental da luta pela democratização da universidade (inclusive no que se refere à sua produção acadêmica, já que, via de regra, a academia simplesmente ignora as demandas destes setores) e temos certeza que a presença de um maior número de estudantes provenientes destes setores, a exemplo do que vimos na recente mobilização da Federal do Rio Grande do Sul (com a ocupação da reitoria, numa aliança entre cotista e os movimentos negro e estudantil), irá contribuir em muito para o fortalecimento desta luta.

Continua...

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