quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Racismo no ambiente de trabalho: ‘alguém segura essa macaca’

Luana Santos diz que uma das suas superioras 
se irritou com o acúmulo de documentos: “Fiquei 
tão constrangida que não consegui dar continuidade 
ao meu trabalho direito”. Foto: Correio Braziliense
Jovem teria sido chamada de “macaca” por uma analista de processos da ANTT. Agência limitou-se a informar que o caso é apurado pelo conselho de ética. Vítima procurou a 5ª DP, mas a investigação está parada por conta da greve dos policiais

Uma estagiária da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) registrou uma queixa contra uma de suas superioras. Ela acusa a mulher de tê-la chamado de “macaca”. A Polícia Civil abriu inquérito para apurar a denúncia. Luana Santos Conceição, 20 anos, trabalha na agência desde 2011 e uma das funções dela é distribuir processos. Como os servidores estão em greve, os documentos se acumularam. Quando levou a papelada para a analista de processos Clenilma Borges Santiago, ela teria sido recebida com hostilidade e termos racistas.

De acordo com Luana, Clenilma levantou-se e gritou com ela, reclamando do volume de trabalho. “Alguém segura essa macaca. Olha o tanto de serviço que ela jogou na minha mesa”, teria afirmado. Ela é lotada na Gerência de Transporte Fretado de Passageiros (Gfret) da Superintendência de Serviços de Transporte de Passageiros (Supas). O caso ocorreu no último dia 10, em uma sala cheia de outros funcionários da ANTT, por volta das 15h40. Luana conta que todos em volta a encararam no momento. “Fiquei tão constrangida que não consegui dar continuidade ao meu trabalho direito”, lembra a jovem.

Colegas que presenciaram a cena conversaram com Luana e a orientaram a fazer reclamações na corregedoria e na ouvidoria interna do órgão. Até o momento, no entanto, ela não teve retorno. “A impressão que dá é que estão tentando abafar o caso porque ela tem um cargo e eu sou apenas uma estagiária”, lamenta.

Depois de esperar que alguma providência fosse tomada na própria ANTT e não conseguir respostas, Luana decidiu registrar ocorrência na 5ª Delegacia de Polícia (área central) na segunda-feira seguinte, dia 13. “Ela havia feito isso outra vez, mas como estávamos sozinhas, seria a minha palavra contra a dela”, explica. Desta vez, Luana procurou a delegacia acompanhada de uma testemunha do caso.

O delegado da 5ª DP, Reinaldo Vilar, diz que as investigações estão paradas por causa da greve dos policiais. “Um inquérito foi instaurado. Nesses casos, a tramitação é rápida porque não há perícia ou gravações. Apenas os depoimentos das partes e testemunhas”, detalha o delegado. Segundo Vilar, o depoimento de Clenilma estava marcado para esta semana, mas não é possível saber se ocorrerá por causa da paralisação dos agentes.
Registros

Uma gari de 27 anos usava o banheiro de um supermercado, na QI 13 do Lago Sul, quando teria sido humilhada por uma servidora aposentada do Banco Central, de 60 anos (ver aqui). Segundo a polícia, a vítima, moradora de Santa Maria, teria sido chamada de “porca” e de “pobre”, entre outros xingamentos. O motivo da confusão era o fato de a trabalhadora utilizar o local. “A autora achou que ela não devia estar lá, que deixaria o banheiro com mau cheiro e afirmou que queria educá-la”, contou um policial da 10ª DP, que investiga o caso. Apesar de a gari ser negra, como os termos usados pela aposentada não foram considerados racistas, mas relacionados à classe, a ocorrência foi registrada como injúria.

29 de abril

O médico psicanalista Heverton Octacílio de Campos Menezes, 62 anos, foi acusado de injúria qualificada por ter ofendido a atendente de um cinema em um shopping na Asa Norte. A vítima, Mariana Serafim dos Reis, 25 anos, diz que o homem a ofendeu por ela ter tentado evitar que ele furasse a fila. O homem teria afirmado que Mariana “deveria estar na África cuidando de orangotangos” (ver aqui). O médico está envolvido em outros nove processos. Entre as acusações que pesam contra Otacílio, estão injúria discriminatória, desacato, agressão e lesão corporal.

22 de março

Após receber quase 70 mil denúncias, a Polícia Federal prendeu dois homens que planejavam um ataque a estudantes de ciências sociais da Universidade de Brasília (UnB). Por meio de um site, o ex-estudante da UnB Marcelo Valle Silveira Mello e o especialista em informática Emerson Eduardo Rodrigues postaram mensagens combinando o massacre (veja aqui). Marcelo Valle já havia sido condenado por racismo, em 2009. Ele mantinha uma página na internet na qual incitava a violência contra negros, homossexuais, mulheres, nordestinos e judeus, além pregar o abuso sexual contra menores

O que diz a lei

As agressões com fundamentação ligada à raça podem ser enquadradas em duas situações diferentes. A injúria racial, ou qualificada, está prevista no artigo 141, parágrafo 3°, do Código Penal. É um crime contra a honra, que consiste em ofender uma pessoa. Ocorre quando o acusado profere palavras que atentem contra a dignidade da vítima. O código enquadra como injúria qualificada quando há elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem, e prevê pena de um ano a três anos de reclusão para o infrator. No caso do racismo, a definição está na Lei n° 7.716/89. É um crime com gravidade maior porque, ao contrário do anterior, é imprescritível, inafiançável e a ação penal pública é incondicionada, ou seja, os órgãos precisam, a partir da ciência do crime, levar o processo adiante. O crime de racismo não é dirigido a uma pessoa, mas a um grupo. Impedir que uma pessoa negra entre em um elevador, entre outros exemplos de discriminação, também é considerado racismo.

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