Desenvolvendo Problemas (continuação...)
Eike
Batista em São João da Barra
A construção do Complexo Industrial do
Porto do Açu (CIPA), no município de São João da Barra, próximo a Campos, no norte do estado do Rio de
Janeiro, é exemplo dos fatores listados
por Andressa como causas para conflitos.
Ali, na maior área preservada de vegetação de restinga do Brasil, o grupo EBX,
do multibilionário Eike Batista, começou a construir um complexo industrial portuário de proporções gigantescas. O Super Porto do Açu,
como vem sendo chamado, envolve recursos iniciais da ordem de 6 bilhões de reais e promete ser o
maior porto privado do mundo.
A grandiosidade do empreendimento é
compatível com o tamanho dos impactos socioambientais causados à região e com a
gravidade das violações de direitos ocorridas em função de sua instalação.
Entidades como a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB) afirmam que as irregularidades da obra se
iniciaram já durante o processo de
licenciamento que, de forma a facilitar
a autorização do empreendimento, não considerou a integralidade dos impactos do
complexo, que inclui um mineroduto que
sairá de Minas Gerais até o local,
cortando pelo menos 32 municípios.
Para além das denúncias graves de
crimes ambientais e falhas nos estudos ambientais, diversas ações de despejo de famílias de pequenos agricultores
vêm sendo realizadas sem o respeito aos
devidos procedimentos legais e aos direitos dos moradores. Em uma delas, no dia 13 de março de 2012, o
agricultor Juarez Alves foi avisado às
8h da manhã por amigos que sua casa, uma
pequena propriedade rural na Estrada
Saco Dantas, estava sendo demolida e sua lavoura, destruída por uma retroescavadeira.
Juarez teve que romper uma barreira
policial na estrada para ter acesso ao local. Quando conseguiu chegar à sua
residência, já haviam levado seu automóvel, suas ferramentas de trabalho e três
cabeças de gado, além de todo o
mobiliário de sua casa. O agricultor contestou veementemente a forma como aquele
despejo estava sendo feito e se negou a sair de dentro do que sobrava de sua
casa. Foi algemado, detido por desacato e levado à delegacia policial.
O
público trabalhando para o privado
A ação mobilizou mais de 40 policiais.
Nem seu Juarez nem seus vizinhos que foram igualmente despejados tinham sido
avisados nem indenizados previamente, e tampouco tiveram disponibilizados
locais apropriados para se estabelecerem e para manterem suas atividades produtivas, como
garante a Constituição do Estado no seu capítulo VIII. “O Poder Público, que deveria se
preocupar em promover a garantia de todos os direitos a essas famílias, tem
agido de forma a privilegiar os interesses do empreendimento econômico em
detrimento da população”, afirma o
relatório produzido pela Comissão de
Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (CDH/ALERJ) sobre
os despejos realizados na região.
Pescador da Baía de Guanabara/ Praia de Mauá, Magé |
A afirmação tem fundamento: em 2009, o
governo do estado do Rio de Janeiro, sem qualquer consulta à população e aos moradores da área afetada,
publicou o decreto 41.915/2009, que determinava a desapropriação de uma área de 70 milhões de
metros quadrados como sendo de interesse
público, “para o fim de implantar no
local um distrito industrial”. A CODIN,
Companhia de Desenvolvimento Industrial do
Governo do Estado do Rio de Janeiro, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Econômico, Energia, Industria e Serviços (SEDEIS), ficou como beneficiária da medida e responsável pelo
processo de reassentamento.
As terras desapropriadas estão sendo
cedidas diretamente à LLX, empresa do grupo EBX, de Eike. Mais que isso, agricultores afirmam que a
CODIN e a LLX têm atuado de forma conjunta na região, como se fossem parceiras no projeto. Há
denúncias de que parte do maquinário
utilizado em ações de despejo seria de
propriedade da empresa. Após a remoção
das famílias, placas têm sido afixadas nas terras com a indicação “Propriedade Privada:
Não Ultrapasse”. Parte destas placas têm
a logomarca da LLX; a outra parte leva a
identificação da CODIN e do governo do estado do Rio de Janeiro. Em todo o
mesmo desenho, o mesmo texto, as mesmas cores.
Rodrigo Santos, produtor rural e
vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais e Imóveis de São João da Barra (ASPRIM) denuncia a formação
extra-oficial de uma aliança entre
governo, Justiça e empresa para garantir
a celeridade da obra. “É uma conjunção
de fatores que parecem ser coordenados: a CODIN não cumpre os acordos, a
Justiça emite ordens judiciais sem a
devida fundamentação, o governo do estado destaca força policial para garantir o cumprimento, e a iniciativa privada entra
com as retroescavadeiras, os caminhões,
os funcionários contratados encarregados
de operarem o despejo e a demolição”,
afirma. “A pressa faz com que a obra atropele tudo, não respeite leis, nem o
que quer que seja. O estudo
socioeconômico, por exemplo, foi feito após o decreto que prevê a
desapropriação, o que é ilegal”,
completa.
Dados da ASPRIM dão conta de que a
chegada do superporto resultará na desapropriação de 477 propriedades rurais utilizadas
por 1500 famílias de pequenos agricultores e pescadores, e que afetará ainda o trabalho de 50 mil pessoas, sendo 15
mil produtores de alimentos. O quadro é
ainda mais grave uma vez que denúncias dão conta de intimidação e ameaças
feitas por seguranças privados do
empreendimento e policiais militares aos agricultores e pescadores que não
aceitam condições impostas pela CODIN e
pela LLX, o que gerou uma investigação
do Ministério Público Federal. “Eles
chegam pressionando, dizendo ‘sua casa vai ser derrubada’”, afirma Rodrigo Santos.
Ação de despejo de pequenos agricultores |
Ciência
com alma
Durante a Cúpula dos Povos, pessoas que
não conheciam as lutas de comunidades contra a chegada desses
megaempreendimentos e seus impactos puderam ter acesso a mais informações. Na
atividade do Fórum de Saúde, por
exemplo, cerca de 150 estudantes, pesquisadores e ativistas estiveram presentes
e puderam escutar relatos de pessoas
diretamente atingidas e violentadas por
projetos como o do Porto do Açu, da
TKCSA e do COMPERJ.
Às
falas de Alexandre Anderson e de Jaci do Nascimento, pescadores da cidade do
Rio de Janeiro, somaram-se as palavras humildes, mas carregadas de indignação,
de seu Pinduca, agricultor da região do
Açu, 50 anos, “plantador” desde os 7. “Nós temos um pedaço de terra, mas o
governo não respeita. O respeito é o que a cidade tá precisando”, disse, de
forma simples e profunda, dando lição singela para jovens e adultos.
Seu Pinduca questionou a fama do
empresário Eike Batista, muitas vezes colocado nos meios de imprensa como um grande promotor do
desenvolvimento do país. “Ele trouxe não desenvolvimento, mas destruição pro
Brasil. Primeiro, ele destruiu o homem
trabalhador – o homem que mata a fome do
Brasil inteiro. E destruiu a natureza. Tá acabando com o rio, com as lagoas, a vida da natureza.
Agora eu pergunto pra vocês: como que se destrói uma natureza, se destrói o homem que planta, e se
diz que o Brasil cresce? É assim que o
Brasil cresce? Eu acredito que não”,
disse, recebendo aplausos.
“A atividade reuniu um tipo de
conhecimento que nos é muito caro, que é o conhecimento tradicional popular do
homem do campo e do homem do mar”, disse o pesquisador Alexandre Pessoa, da
Fiocruz, que mediava a mesa. “O território educa. “É obrigação dos centros de
pesquisa envolver e escutar estes saberes” completou. Marcelo Firpo, também pesquisador
da Fiocruz, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana,
dialogou com a fala de seu colega. “A Ciência por vezes se torna tão fria que
morre em sua alma. Nós defendemos uma Ciência com alma”, disse,
Em
sua fala, seu Pinduca, relatando os impactos ambientais do Porto do Açu, deixou uma
pergunta: “A restinga é uma área que não
pode ser mexida. Hoje nós vemos em
vários discursos que o homem constrói.
Mas eu pergunto: Qual o ser humano que consegue
construir restinga?” Na platéia, mais uma vez, acadêmicos aplaudiram.
Continua...
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