quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Desenvolvimento às Avessas - Parte 2 - CPRP-RJ


Desenvolvendo Problemas (continuação...)

Eike Batista em São João da Barra

A construção do Complexo Industrial do Porto do Açu (CIPA), no município de São João da Barra,  próximo a Campos, no norte do estado do Rio de  Janeiro, é exemplo dos fatores listados por Andressa  como causas para conflitos. Ali, na maior área preservada de vegetação de restinga do Brasil, o grupo EBX, do multibilionário Eike Batista, começou a  construir um complexo industrial portuário de  proporções gigantescas. O Super Porto do Açu, como vem sendo chamado, envolve recursos iniciais da  ordem de 6 bilhões de reais e promete ser o maior  porto privado do mundo.

A grandiosidade do empreendimento é compatível com o tamanho dos impactos socioambientais causados à região e com a gravidade das violações de direitos ocorridas em função de sua instalação. Entidades como a Associação de Geógrafos Brasileiros (AGB)  afirmam que as irregularidades da obra se iniciaram já  durante o processo de licenciamento que, de forma a  facilitar a autorização do empreendimento, não considerou a integralidade dos impactos do complexo, que  inclui um mineroduto que sairá de Minas Gerais até  o local, cortando pelo menos 32 municípios.

Para além das denúncias graves de crimes ambientais e falhas nos estudos ambientais, diversas ações de  despejo de famílias de pequenos agricultores vêm  sendo realizadas sem o respeito aos devidos procedimentos legais e aos direitos dos moradores. Em  uma delas, no dia 13 de março de 2012, o agricultor  Juarez Alves foi avisado às 8h da manhã por amigos  que sua casa, uma pequena propriedade rural na  Estrada Saco Dantas, estava sendo demolida e sua  lavoura, destruída por uma retroescavadeira.

Juarez teve que romper uma barreira policial na estrada para ter acesso ao local. Quando conseguiu chegar à sua residência, já haviam levado seu automóvel, suas ferramentas de trabalho e três cabeças  de gado, além de todo o mobiliário de sua casa. O agricultor contestou veementemente a forma como aquele despejo estava sendo feito e se negou a sair de dentro do que sobrava de sua casa. Foi algemado, detido por desacato e levado à delegacia policial.

O público trabalhando para o privado

A ação mobilizou mais de 40 policiais. Nem seu Juarez nem seus vizinhos que foram igualmente despejados tinham sido avisados nem indenizados previamente, e tampouco tiveram disponibilizados locais apropriados para se estabelecerem e  para manterem suas atividades produtivas, como garante a Constituição do Estado no seu capítulo  VIII. “O Poder Público, que deveria se preocupar em promover a garantia de todos os direitos a essas famílias, tem agido de forma a privilegiar os interesses do empreendimento econômico em detrimento  da população”, afirma o relatório produzido pela  Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (CDH/ALERJ) sobre os  despejos realizados na região.

Pescador da Baía de Guanabara/ Praia de Mauá, Magé
A afirmação tem fundamento: em 2009, o governo do estado do Rio de Janeiro, sem qualquer consulta  à população e aos moradores da área afetada, publicou o decreto 41.915/2009, que determinava a  desapropriação de uma área de 70 milhões de metros  quadrados como sendo de interesse público, “para o  fim de implantar no local um distrito industrial”. A  CODIN, Companhia de Desenvolvimento Industrial  do Governo do Estado do Rio de Janeiro, vinculada  à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Energia, Industria e Serviços (SEDEIS), ficou  como beneficiária da medida e responsável pelo  processo de reassentamento.

As terras desapropriadas estão sendo cedidas diretamente à LLX, empresa do grupo EBX, de Eike.  Mais que isso, agricultores afirmam que a CODIN e a LLX têm atuado de forma conjunta na região,  como se fossem parceiras no projeto. Há denúncias  de que parte do maquinário utilizado em ações de  despejo seria de propriedade da empresa. Após a  remoção das famílias, placas têm sido afixadas nas  terras com a indicação “Propriedade Privada: Não  Ultrapasse”. Parte destas placas têm a logomarca da  LLX; a outra parte leva a identificação da CODIN e do governo do estado do Rio de Janeiro. Em todo o mesmo desenho, o mesmo texto, as mesmas cores.

Rodrigo Santos, produtor rural e vice-presidente da Associação dos Produtores Rurais e Imóveis de  São João da Barra (ASPRIM) denuncia a formação  extra-oficial de uma aliança entre governo, Justiça e  empresa para garantir a celeridade da obra. “É uma  conjunção de fatores que parecem ser coordenados: a CODIN não cumpre os acordos, a Justiça emite  ordens judiciais sem a devida fundamentação, o governo do estado destaca força policial para garantir  o cumprimento, e a iniciativa privada entra com as  retroescavadeiras, os caminhões, os funcionários  contratados encarregados de operarem o despejo e  a demolição”, afirma. “A pressa faz com que a obra atropele tudo, não respeite leis, nem o que quer que  seja. O estudo socioeconômico, por exemplo, foi feito após o decreto que prevê a desapropriação, o  que é ilegal”, completa.

Dados da ASPRIM dão conta de que a chegada do superporto resultará na desapropriação de 477 propriedades rurais utilizadas por 1500 famílias de pequenos agricultores e pescadores, e que afetará  ainda o trabalho de 50 mil pessoas, sendo 15 mil  produtores de alimentos. O quadro é ainda mais grave uma vez que denúncias dão conta de intimidação e ameaças feitas por seguranças privados  do empreendimento e policiais militares aos agricultores e pescadores que não aceitam condições  impostas pela CODIN e pela LLX, o que gerou  uma investigação do Ministério Público Federal.  “Eles chegam pressionando, dizendo ‘sua casa vai  ser derrubada’”, afirma Rodrigo Santos.
Ação de despejo de pequenos agricultores
Ciência com alma

Durante a Cúpula dos Povos, pessoas que não conheciam as lutas de comunidades contra a chegada desses megaempreendimentos e seus impactos puderam ter acesso a mais informações. Na atividade  do Fórum de Saúde, por exemplo, cerca de 150 estudantes, pesquisadores e ativistas estiveram presentes  e puderam escutar relatos de pessoas diretamente  atingidas e violentadas por projetos como o do Porto  do Açu, da TKCSA e do COMPERJ.

 Às falas de Alexandre Anderson e de Jaci do Nascimento, pescadores da cidade do Rio de Janeiro, somaram-se as palavras humildes, mas carregadas de indignação, de seu Pinduca, agricultor da região  do Açu, 50 anos, “plantador” desde os 7. “Nós temos um pedaço de terra, mas o governo não respeita. O respeito é o que a cidade tá precisando”, disse, de forma simples e profunda, dando lição singela  para jovens e adultos.

Seu Pinduca questionou a fama do empresário Eike Batista, muitas vezes colocado nos meios de  imprensa como um grande promotor do desenvolvimento do país. “Ele trouxe não desenvolvimento, mas destruição pro Brasil. Primeiro, ele destruiu o  homem trabalhador – o homem que mata a fome  do Brasil inteiro. E destruiu a natureza. Tá acabando  com o rio, com as lagoas, a vida da natureza. Agora eu pergunto pra vocês: como que se destrói uma  natureza, se destrói o homem que planta, e se diz  que o Brasil cresce? É assim que o Brasil cresce? Eu  acredito que não”, disse, recebendo aplausos.

“A atividade reuniu um tipo de conhecimento que nos é muito caro, que é o conhecimento tradicional popular do homem do campo e do homem do mar”, disse o pesquisador Alexandre Pessoa, da Fiocruz, que mediava a mesa. “O território educa. “É obrigação dos centros de pesquisa envolver e escutar estes saberes” completou. Marcelo Firpo, também pesquisador da Fiocruz, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, dialogou com a fala de seu colega. “A Ciência por vezes se torna tão fria que morre em sua alma. Nós defendemos uma Ciência com alma”, disse,

 Em sua fala, seu Pinduca, relatando os impactos  ambientais do Porto do Açu, deixou uma pergunta:  “A restinga é uma área que não pode ser mexida.  Hoje nós vemos em vários discursos que o homem  constrói. Mas eu pergunto: Qual o ser humano que  consegue construir restinga?” Na platéia, mais uma  vez, acadêmicos aplaudiram. 



Continua...

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