“Tenham certeza de que nunca, jamais
me verão tomando decisões ou assumindo
posições que signifiquem a entrega
das riquezas nacionais a quem quer que seja” [1]
- Dilma Rousseff, 2010.
Na última quarta-feira (15/08) o governo petista anunciou um amplo programa de privatizações da infra-estrutura do país. Batizado de “Programa de Investimentos em Logística” ou “PAC das Concessões” o pacote entregará à iniciativa privada 7,5 mil quilômetros de rodovias, 10 mil quilômetros de ferrovias, mais portos, aeroportos, hidrovias, além de R$ 133 bilhões para investimentos.
O plano fez a alegria dos demotucanos e do empresariado. Eike Batista chamou o pacote de “kit felicidade” [2], enquanto que o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, publicou uma nota onde “cumprimenta a presidente Dilma por ter aderido ao programa de privatizações, há anos desenvolvido pelo partido, como um dos caminhos para acelerar os investimentos em infraestrutura.” [3]
Ignorando que as gestões petistas privatizam desde o primeiro mandato de Lula [4] (incluindo a própria infra-estrutura), Guerra lamentou o “atraso” da iniciativa. Por outro lado, a Presidente Dilma, ciente da contradição do pacote anunciado com o seu discurso eleitoral, tentou negar o caráter privatista da sua medida:
“Esta é uma questão absolutamente falsa. Eu, hoje, estou tentando consertar em ferrovias alguns equívocos cometidos na privatização das ferrovias. Hoje, eu estou estruturando um modelo no qual nós vamos ter o direito de passagem de todos quanto precisarem transportar sua carga. Na verdade, é o resgate da participação do investimento privado em ferrovias, mas é também o fortalecimento das estruturas de planejamento e de regulação. Por que o que um operador independente vai fazer? Ele vai transportar a carga que ele achar necessária. Ninguém que é dono de uma carga pode controlar uma ferrovia. A ferrovia é de todos os que querem passar carga – isso é o princípio de quem tem rede” [5]
Na própria negativa fica claro tratar-se sim de privatização! Dessa vez foram poucos os blogueiros mais comprometidos com o governismo que tiveram o desplante de inundar a internet com artigos explorando uma falsa dicotomia “privatização x concessão”, como ocorreu no caso dos aeroportos.
Na cerimônia em que anunciou o “kit felicidade” dos empresários, a Presidente erigiu os mesmos argumentos dos demotucanos para justificar o entreguismo:
“O nosso propósito com este programa e os que anunciaremos na seqüência para aeroportos e para portos é nos unirmos aos concessionários para obter o melhor que a iniciativa privada pode oferecer em eficiência, e o melhor que o Estado pode e deve oferecer em planejamento e gestão de recursos públicos” [6]
Apesar da atual crise financeira estar mostrando exaustivamente que a “eficiência” da iniciativa privada tem sido recorrer ao “ineficiente” Estado para não falir, Dilma retoma essa velha e falsa dicotomia. O seu próprio plano deixa evidente que o Estado brasileiro estará por trás dessa celebrada “eficiência”:
“As parcerias que estamos propondo em rodovias, concessões e ferrovias PPP são muito atraentes em termos de rentabilidade, de risco e de financiamento. Meu governo reconhece as parcerias com o setor privado como essenciais à continuidade e aceleração do crescimento. Essas parcerias nos permitirão oferecer bens e serviços públicos mais adequados e eficientes à população” [idem 6]
As “parcerias” via PPPs preveêm que o Estado aporte até mais de 70% dos recursos investidos e que remunere o percentual do lucro desejado pelo adminstrador privado. No caso do pacote anunciado por Dilma o BNDES poderá aportar de 65% a 85% dos recursos dos projetos [7] e pagar a diferença da demanda não efetivada. Realmente é muito atraente!
Privatizações envolvendo farto dinheiro público tem sido a regra no Brasil. Foi assim nas gestões de Fernando Henrique Cardoso, nas de Lula e agora na de Dilma. A explicação didática de Wagner Bittencourt, Ministro da Secretaria de Aviação Civil, durante as privatizações dos aeroportos é reveladora de como opera esse processo:
“Funciona assim: de cada R$ 100 investidos, R$ 70 virão do BNDES e de outras fontes de financiamento e R$ 30 dos sócios. Dos R$ 30, R$ 14,7 virão da Infraero, muito menos que os R$ 100 gastos hoje, mas ela vai ter metade do retorno do negócio, quase 50% dos dividendos” (…) “É o melhor negócio do mundo.” [8]
Como a Infraero é estatal, dos R$ 100 investidos, os sócios privados desembolsam apenas R$ 15,3 para abocanhar a maior parte do lucro. É muito atraente mesmo!
Crise e posição de classe
Com o aprofundamento da crise financeira no mundo e no Brasil e o esgotamento dos efeitos das medidas “anticrise” implementadas pelo governo federal desde 2008 e, por ter optado por administrar o capitalismo, a gestão petista não encontra outra alternativa que não seja buscar manter e elevar as taxas de lucros dos bancos e das grandes empresas, tentando retroalimentar o sistema de acumulação e reprodução do capital em crise.
Nesse contexto o caráter privatista do seu governo e seu enfrentamento com a classe trabalhadora se aprofundarão. Ficará cada vez mais evidente aos olhos do grande público o caráter neoliberal e de classe da gestão petista, algo que nem os discursos dissimuladores de seus dirigentes conseguirão ocultar.
No andar de cima da pirâmide já há ampla celebração. Até a Revista Veja publicou uma edição cuja capa comemora “O choque de capitalismo de Dilma”.[9]
Como em uma sociedade de classes não há “choque” em uma ponta que não seja sentida em outra, para realizar privatizações e promover isenções e subsídios ao grande capital, a classe trabalhadora brasileira deve ser sacrificada. Já está sendo assim com a atual greve dos servidores públicos e com as demissões nas montadoras.
Os ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Lula, saíram em defesa da intransigência de Dilma diante das greves dos servidores. Se o tucano apelou para a “dificuldade financeira fiscal” [10], embora seu partido defenda a privatização com recursos públicos, o petista, evocando a mesma limitação de recursos, deixou claro a máxima da sociedade de classes dos interesses antagônicos e conflitantes, e qual classe deve ser atendida:
“O governo tem de trabalhar com o dinheiro disponível. As pessoas, de vez em quando, precisam compreender que o governo não tem todo o dinheiro que a gente quando está fora pensa que tem. O dinheiro é limitado”
“Penso que a Dilma tem vontade de atender as pessoas, mas ela tem limitações orçamentárias, ela tem outras coisas para fazer: ela tem investimento em infraestrutura, que é importante para melhorar a vida do povo.” [11]
Ou seja, para Lula, os servidores devem compreender que devem aceitar o arrocho salarial porque os recursos da União devem ser drenados para os lucros do empresariado que abocanhará a infra-estrutura que será privatizada! O mesmo orçamento que não suporta R$ 92 bilhões para os servidores [12] admite R$ 133 bilhões para os empresários!
O aval do ex-presidente petista a essa política de Dilma mostra que é ilusória a ideia daqueles que, diante do recrudescimento dos ataques do atual governo, acham que com Lula seria diferente. Ele também privatizou, atacou greves e direitos dos trabalhadores. Dilma é a continuidade da sua gestão.
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[1] Aeroportos: mais uma privataria petista (11/02/2012):
[2] “É um kit felicidade para o Brasil”, diz Eike Batista (15/08/2012):
[3] Presidente do PSDB cumprimenta Dilma por adesão às privatizações, mas lamenta atraso (15/08/2012):
[4] Lula: ruptura ou continuidade de FHC? (27/11/2010):
[5] Para Dilma, programa de concessões vai saldar dívida de décadas de atraso em investimentos em logística (15/08/2012):
[6] O Brasil finalmente terá uma infraestrutura compatível com o seu tamanho, afirma Dilma (15/08/2012):
[7] Governo anuncia concessão de ferrovias e de estradas. Empresas investirão R$ 133 bilhões (16/08/2012):
[8] A farra da privatização dos aeroportos (23/10/2011):
[9] Dilma dá uma guinada radical em relação à orientação de Lula e quer um choque de capitalismo (17/08/2012):
[10] Jornal: FHC apoia firmeza de Dilma em relação às greves (15/08/2012):
[11] Lula defende posição de Dilma em greve de servidores (15/08/2012):
[12] R$ 92 bilhões é o gasto estimado pelo governo caso atendesse às reivindicações salariais de todas as categorias do serviço público em greve.
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